quinta-feira, 27 de junho de 2013

Aluno português cria uma válvula mitral para o coração e vence concurso europeu

Texto de José Maria Pinheiro publicado pelo jornal Público em 27/06/2013
"A tese sobre válvulas mitrais para o coração de Ricardo Moreira foi uma das quatro premiadas.
Ricardo Moreira, 24 anos, permanece na Alemanha
O estudante português Ricardo Moreira, 24 anos, venceu o concurso Future Ideas, competição que premeia os melhores projectos de mestrado europeus desenvolvidos desde 2009. A final decorreu na passada sexta-feira, dia 21, em Amesterdão, Holanda, e o trabalho do aluno de Engenharia Biomédica da Universidade do Minho incide sobre a criação de uma válvula mitral inovadora para o coração.
 
“Baseei-me no funcionamento das válvulas biológicas para concretizar a minha ideia”, revela o jovem de Marco de Canaveses. “Retiram-se as células de doentes para depois as utilizarmos na construção de um molde em laboratório, que nos permite aperfeiçoar uma válvula com características semelhantes às do órgão original”, declarou o investigador ao PÚBLICO.
 
O estudante português teve a oportunidade de apostar neste projecto durante o período em que fez Erasmus na Universidade Técnica de Aachen, na Alemanha, onde terminou a sua tese com a nota máxima de 20 valores.
 
Com mais de 234 ideias a concurso, Ricardo Moreira ficou surpreso com a vitória: “O concurso encontra-se direccionado para teses com uma vertente social”, revela. “O próprio júri não possuía bases suficientes para compreender o funcionamento do meu trabalho, pelo que tiveram de o remeter para uma equipa de especialistas que procedeu à sua avaliação.”
 
O projecto foi financiado exclusivamente pela Universidade Técnica de Aachen, encontrando-se agora numa etapa de testes pré-clínicos, em ovelhas, no Instituto Helmholtz-Aachen. “A minha universidade de origem [Minho] não está preparada para incubar um trabalho desta natureza, muito por culpa da falta de recursos financeiros”, explica.
 
Ricardo Moreira tem esperança de que a sua criação possa vir a ser comercializada dentro de dez anos, dedicando-se agora a um projecto relacionado com válvulas cardíacas."

Aluno da Universidade do Minho transforma bicicleta em veículo eléctrico

Texto de José Maria Pinheiro publicado pelo jornal Público em 25/06/2013.
"Projecto vai ser apresentado em simpósio na Universidade do Minho.
Autor quer entrar no mercado com a BeUM
Como transformar uma bicicleta tradicional num veículo eléctrico? Rui Araújo, aluno do mestrado integrado de Engenharia Electrónica Industrial e de Computadores da Universidade do Minho, conseguiu e vai apresentar o seu projecto, esta quarta-feira, no pólo de Guimarães da instituição, durante o simpósio de Electrónica de Potência e Energia.
 
A bicicleta chama-se BeUM – Bicicleta Eléctrica da Universidade do Minho. O autor pretende entrar no mercado com este veículo e justifica a sua venda em localidades onde as condições do terreno dificultam as deslocações por bicicleta.
 
“Esta ideia visa a aplicação por inteiro da legislação portuguesa no que diz respeito às bicicletas eléctricas, algo que não se verifica em grande parte dos casos”, explica Rui Araújo ao PÚBLICO.
 
Através de um motor BLDC (brushless direct current), instalado na roda traseira, é possível apoiar o utilizador com três modos de auxílio na tracção, reduzindo assim a força muscular necessária, e, por conseguinte, a fadiga. A bateria de iões de lítio polímero confere uma autonomia máxima de 60 quilómetros. “Tanto a bateria, como o sistema electrónico de controlo do motor e os circuitos de comando foram adquiridos, enquanto toda a componente electrónica foi desenvolvida por nós”, adianta Rui Araújo."

Melros da cidade evoluem e ficam mais tímidos

Texto de Nicolau Ferreira publicado pelo jornal Público em 25/06/2013.
"Investigadora portuguesa mostra que populações de melros da cidade comportam-se de forma diferente das do campo.
Populações do campo são mais curiosas em relação a objectos novos
A revolução industrial teve o condão de acelerar o crescimento das cidades, com um impacto incontornável no mundo natural. Um dos primeiros efeitos observados, que hoje é um exemplo clássico da adaptação de uma espécie ao ambiente, aconteceu quando uma população de borboletas, em poucas gerações, passou a ter asas pretas em vez de brancas graças à fuligem produzida pelas fábricas. Agora, um trabalho feito por uma portuguesa observou aquilo que poderá ser a adaptação da personalidade do melro, Turdus merula, ao ambiente citadino.
 
O estudo, publicado na revista Global Change Biology, mostra que estas aves estão a tornar-se mais tímidas em relação a situações novas do que as populações rurais da espécie.
 
O melro habita cidades europeias há pelo menos dois séculos, com aparente sucesso. Catarina Miranda e colegas do Instituto Max Planck de Ornitologia (Alemanha), onde a portuguesa realizou este estudo no âmbito do seu doutoramento, analisaram primeiro uma série de trabalhos publicados que avaliaram o comportamento de espécies de animais que colonizaram as cidades, comparando essas aves com populações que se mantiveram no meio rural. Em 27 de 29 estudos, as populações citadinas das espécies apresentavam mudanças de comportamento.
 
Depois, a equipa recolheu 25 melros bebés de uma população rural e 28 de uma população urbana com três a 11 dias de idade. No laboratório, estas populações foram mantidas no mesmo ambiente e as aves foram manuseadas pelos biólogos. Mais tarde, as duas populações foram submetidas a um ambiente com objectos novos ao lado dos alimentos. Os cientistas verificaram que enquanto os melros vindos do campo eram muito mais curiosos perante os novos objectos, os da cidade tinham mais medo: não se aproximavam, mesmo que para isso ficassem sem comer.
 
Os resultados mostram que esta diferença dificilmente se deverá à aprendizagem, já que os melros estiveram poucos dias em estado selvagem, é antes intrínseco. Assim, parece que é a informação genética que já dita a personalidade mais tímida destes animais. Isto pode querer dizer que, ao longo das gerações, os melros que tinham já por si uma personalidade tímida estavam adaptados às cidades e tiveram mais sucesso na vida urbana. Porquê? “Poderá ser mais vantajoso para os animais urbanos, em que os recursos alimentares tendem a ser mais estáveis, enquanto o contacto com situações novas pode representar um perigo potencial maior”, lê-se no artigo."

Sequenciado genoma de cavalo com 700 mil anos, o mais antigo de sempre

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 27/06/2013.
 
Em cima, um cavalo de Przewalski, subespécie que se sabe agora ser 100% selvagem; ao lado, os ossos fossilizados do cavalo com 700 mil anos cujo genoma acaba de ser sequenciado
"Uma equipa internacional de cientistas fez agora algo que era considerado impossível por muitos especialistas: obteve o primeiro "rascunho" da totalidade do genoma de um fóssil de cavalo com cerca de 700 mil anos de idade. Os seus resultados são publicados hoje na revista Nature e multiplicam por cerca de 10 a idade dos fósseis mais antigos a partir dos quais é possível extrair ADN (o genoma mais antigo até aqui, sequenciado em 2012, era o de uma espécie de homens arcaicos, os Denisovanos, que viveram na Sibéria há uns 80 mil anos).
 
A "saga" do cavalo começou em 2003 com a descoberta pela equipa - liderada por Ludovic Orlando e Eske Willerslev, da Universidade de Copenhaga, Dinamarca -, no solo eternamente gelado do Yukon, território canadiano na fronteira com o Alasca, de fragmentos de um osso fossilizado do pé de um equídeo ancestral. Devido às condições de frio extremo, o ADN dos fósseis fora preservado desde o início do Pleistoceno Médio, há entre 800 mil e 125 mil anos, época em que mamíferos como mamutes, mastodontes, camelos, ursos, hienas, chitas, lobos, alces, grandes gatos - e também cavalos - reinavam nas grandes extensões da América do Norte.
 
O trabalho de sequenciação genética não foi fácil, uma vez que o ADN dos fósseis tinha, apesar de tudo, sofrido os embates do tempo, fragmentando-se e ficando contaminado, ao longo dos milénios, pelo ADN de microorganismos. Mas graças às mais avançadas técnicas, explica a Universidade de Copenhaga em comunicado, ao fim de três anos os cientistas acabaram por reconstituir o genoma inteiro, como se de um puzzle se tratasse. Este primeiro "rascunho" ainda não possui a resolução suficiente para revelar em pormenor a história evolutiva do género Equus - que inclui os cavalos, os burros e as zebras -, mas as primeiras conclusões agora apresentadas deixam antever, segundo os autores, o tipo de descobertas que poderão vir a ser feitas no futuro.
 
Estes cientistas compararam o genoma vindo do fóssil de cavalo com 700 mil anos com os genomas de outro fóssil de cavalo, este com 43 mil anos, de seis cavalos actuais e de um burro. E descobriram, antes de mais, que o último antepassado comum a todos os equídeos modernos viveu há entre quatro milhões e quatro milhões e meio de anos - ou seja, há duas vezes mais tempo do que se pensava.
 
Uma outra descoberta foi que o tamanho das populações de cavalos sofreu grandes flutuações, ao sabor das alterações climáticas. "Era bom ser um cavalo quando estava frio e muito mau quando estava calor", resumiu com humor Willerslev em conferência de imprensa organizada pela Nature.
 
Os resultados incluem mesmo "um final feliz", lê-se no comunicado: vêm finalmente resolver a questão de saber se os chamados cavalos-de-przewalski são ou não genuinamente selvagens. E a resposta da genética é... afirmativa: a linhagem destes animais, ameaçados de extinção e dos quais só restam hoje no mundo dois milhares de exemplares (ver Últimos cavalos selvagens do planeta vivem no Alentejo, PÚBLICO de 30/8/2010), divergiu da dos cavalos domésticos há cerca de 50 mil anos. "Uma das questões era a de saber se estes cavalos se tinham misturado com os cavalos domésticos", disse Willerslev aos jornalistas, "mas agora sabemos que eles são basicamente 100% selvagens - e que vale a pena preservá-los, porque são os últimos representantes vivos dos cavalos selvagens."
 
E qual terá sido o aspecto do cavalo há 700 mil anos?. "Ainda não temos muita informação morfológica", respondeu Orlando, "mas sabemos que não era um tipo de cavalo diferente dos actuais. E parece ter sido um cavalo de grande porte". Mas terá sido um bólide como os cavalos de corrida actuais? "Os genes que fazem dos cavalos de hoje máquinas de correr não estavam presentes no genoma do cavalo há 700 mil anos", frisa o cientista. "Portanto, mesmo que fossem rápidos, essa característica teria dependido de genes diferentes dos de hoje."
 
Last but not least: num comentário na Nature um especialista australiano e um neozelandês escrevem que os resultados abrem caminho para a possibilidade de recuar ainda mais no tempo na evolução humana, através da sequenciação genética de homens primitivos, como o Homo erectus, que surgiram na Terra há quase dois milhões de anos."

Japão deverá aprovar ensaios clínicos com células estaminais pluripotentes

Artigo da LUSA publicado pelo jornal Público em 26/06/2013.
"Comissão já disse que sim a uma terapia com nova tecnologia para tratar degeneração macular, uma forma de cegueira relacionada com a idade. Ensaios vão começar em 2014.
As células estaminais pluripotentes induzidas são criadas a partir de células adultas conduzidas a um estado quase embrionário
Uma comissão governamental japonesa aprovou nesta quarta-feira a realização dos primeiros ensaios clínicos mundiais de medicina regenerativa em humanos, feitos com células estaminais pluripotentes induzidas.
 
Os ensaios clínicos iniciar-se-ão no próximo ano, devendo o ministro japonês da Saúde respeitar o parecer da comissão e validar o projecto apresentado pela Fundação para a Investigação Biomédica e a Inovação, um centro hospitalar em Kobe, a Oeste no Japão.

Os ensaios visam tratar uma doença ocular, a degeneração macular relacionada com a idade, que é a principal causa de cegueira dos maiores de 55 anos nos países industrializados. Para tal, os cientistas irão cultivar células da retina para as implantar, segundo a AFP.

As células estaminais pluripotentes induzidas são criadas a partir de células adultas conduzidas a um estado quase embrionário. Desta forma, voltam a ter a capacidade de se diferenciarem em todos os tipos de células em função do meio envolvente onde se encontram.

No ano passado, o japonês Shinya Yamanaka e o britânico John Gurdon foram recompensados com o prémio Nobel da Medicina por terem conseguido reprogramar as células adultas em células estaminais pluripotentes, processo chave para o futuro da medicina regenerativa.

A utilização destas células não coloca problemas éticos importantes, ao contrário do uso das células estaminais dos embriões humanos, segundo a AFP."

Há três planetas na zona habitável de uma estrela

Artigo publicado pelo jornal Público em 25/06/2013.
"Astrónomos combinaram novas observações com outras mais antigas de uma estrela chamada Gliese 667C e encontraram três “super-Terras” que são “bons candidatos à presença de vida”
Impressão artística do sistema Gliese 667C
As observações anteriores já tinham permitido concluir que a estrela Gliese 667c acolhia três planetas, um deles a orbitar numa região onde a água pode existir sob forma líquida, ou seja, onde será possível existir alguma forma de vida. Os astrónomos quiseram saber mais ainda e foram à procura de outros planetas, comparando e cruzando os dados recolhidos por diferentes telescópios. Uma equipa de astrónomos liderados por Guillem Anglada-Escudé da Universidade de Göttingen, Alemanha, e Mikko Tuomi, da Universidade de Hertfordshire, Reino Unido, encontrou, de facto, algo mais.
 
Segundo explicam num comunicado do Observatório Europeu do SUL (ESO) foram encontradas “evidências da existência de até sete planetas em torno da estrela”. A estrela observada faz parte de um sistema estelar triplo que está situado a 22 anos-luz de distância na constelação de Escorpião e que se encontra muito próximo do planeta Terra. Estes planetas agora detectados orbitam a terceira estrela mais ténue do sistema estelar triplo.
 
“Sabíamos, a partir de estudos anteriores, que esta estrela tinha três planetas e por isso queríamos descobrir se haveria mais algum,” diz Tuomi, no comunicado do ESO. “Ao juntar algumas observações novas e analisando outra vez dados já existentes, conseguimos confirmar a existência desses três e descobrir mais alguns. Encontrar três planetas de pequena massa na zona habitável de uma estrela é algo muito excitante!”

Três destes planetas são super-Terras – planetas com mais massa do que a Terra mas com menos massa do que Urano ou Neptuno – que se encontram na zona habitável da estrela. “Esta é a primeira vez que três planetas deste tipo são descobertos nesta zona num mesmo sistema”, refere o comunicado.
 
“O número de planetas potencialmente habitáveis na nossa galáxia é muito maior se esperarmos encontrar vários em torno de cada estrela de pequena massa – em vez de observarmos dez estrelas à procura de um único planeta potencialmente habitável, podemos agora olhar para uma só estrela e encontrar vários planetas”, acrescenta o co-autor Rory Barnes (Universidade de Washington, EUA), no mesmo comunicado.
 
Além das três super-Terras situadas na zona habitável existem neste sistema dois planetas quentes situados mais próximo da estrela e dois planetas mais frios em órbitas mais afastadas. De acordo com as análises e cálculos efectuados pensa-se que “os planetas situados na zona habitável e os dois que se encontram mais próximo da estrela apresentam sempre a mesma face virada à estrela, o que significa que o seu dia e o seu ano têm a mesma duração, e num lado do planeta é sempre de dia, enquanto no outro é sempre de noite”.
 
A equipa usou dados recolhidos por vários instrumentos – desde o espectrógrafo UVES montado no Very Large Telescope do ESO, no Chile, ao Carnegie Planet Finder Spectrograph (PFS) montado no Observatório de Las Campanas, no Chile, ao espectrógrafo HIRES montado no telescópio Keck de 10 metros, no Mauna Kea, Havai: a estes dados juntou-se ainda “ uma enorme quantidade de dados do HARPS (High Accuracy Radial velocity Planet Searcher), instrumento montado no telescópio de 3,6 metros do ESO, no Chile, obtidos anteriormente no âmbito de outro projecto."

Há poeira fria a sair de um buraco negro

Artigo publicado pelo jornal Público em 20/06/2013.
"Através da detecção de luz infravermelha foi possível descobrir poeira cósmica a ser empurrada de um buraco negro.
Uma representação da poeira a ser empurrada do buraco negro
No centro das galáxias costumam existir buracos negros activos. Uma equipa de investigadores observou agora que de um desses buracos negros está a sair poeira fria, ao mesmo tempo que poeira mais quente forma um donut em torno do buraco e é sugada por ele, revela um artigo publicado nesta quinta-feira na revista Astrophysical Journal.
 
O trabalho foi feito por uma equipa internacional que inclui investigadores da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos ou do Instituto Max Planck, na Alemanha, e que utilizaram o Interferómetro do Very Large Telescope, o telescópio do Observatório Europeu do Sul (ESO, sigla em inglês) instalado no cimo do monte Paranal, no deserto de Atacama, no Chile.
 
Com este instrumento, os astrónomos observaram o centro da galáxia NGC 3783, onde um buraco negro irradia uma forte luz infravermelha. Esta luz denuncia uma quantidade enorme de pó cósmico situado em torno da buraco negro. Este pó foi captado pela gravidade do buraco negro, como quando a água desaparece num ralo originando à volta um remoinho.
 
Estes buracos negros activos no meio das galáxias são objectos muito energéticos a que se chamam núcleos activos de galáxias. O material no donut está a temperaturas entre 700 e 1000 graus Celsius, mas o interferómetro descobriu poeira cósmica, mais fria e a libertar radiação infravermelha menos energética, que está a ser empurrada acima e abaixo do buraco negro.
 
“Esta é a primeira vez que conseguimos combinar observações detalhadas no infravermelho médio da poeira fria, à temperatura ambiente, com observações igualmente detalhadas da poeira muito quente”, explica Sebastian Hönig, da Universidade da Califórnia, autor principal do artigo, num comunicado do ESO.
 
A poeira fria forma um fluxo constante que é empurrado para fora do buraco negro, na direcção vertical à do donut de poeira, nos dois sentidos. O que se pensa é que a voragem de material do buraco negro produz uma radiação intensa que empurra a poeira mais fria. Ainda não se percebe como é que estes dois fenómenos complexos e aparentemente antagónicos estão ligados e permitem aos buracos negros existirem e crescerem."

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Cientistas portugueses alteram pela primeira vez código genético de um ser vivo

Artigo da SAPO Saúde com LUSA

"Uma equipa de investigadores da Universidade de Aveiro (UA) conseguiu alterar, pela primeira vez, o código genético de um ser vivo, anunciou hoje fonte daquela universidade.

A equipa de investigação descobriu que o fungo patogénico "Candida albicans" utiliza um código genético diferente do dos outros seres vivos e conseguiu compreender como é que esse fungo alterou o seu código genético. Com esse conhecimento, os investigadores da Universidade de Aveiro conseguiram, pela primeira vez, fazer a alteração artificial do código genético de um ser vivo.

A investigação dos doutorandos Ana Rita Bezerra e João Simões, sob coordenação de Manuel Santos, professor do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro e investigador do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM), decorreu nos últimos quatro anos e foi agora publicada na revista da academia norte americana das ciências, "Proceedings of the National Academy of Sciences" (PNAS).

Os fungos com o código genético alterado produzidos pelos investigadores da UA são "fascinantes do ponto de vista biológico e evolutivo, têm alterações morfológicas impressionantes e uma enorme capacidade de adaptação a novos nichos ecológicos. São também tolerantes aos antimicóticos, mostrando que pequenas alterações na fidelidade da biosíntese de proteínas desempenham um papel importante na evolução da resistência a drogas antimicrobianas", refere uma nota da Universidade.

No sentido de aprofundar o estudo da biologia dos novos fungos, os investigadores da Universidade de Aveiro sequenciaram o seu genoma e analisaram a resposta imunitária humana a esses fungos, em parceria com colegas do centro de sequenciação de genomas de Barcelona (CNAG) do Instituto Europeu de Bioinformática (EBI) e das Universidades de Florença e Perugia.

Os resultados das investigações mostram "profundas alterações no genoma destes fungos, na resposta imune humana e inflamação crónica em ratinhos de laboratório, sugerindo novas pistas para compreender o mecanismo de infeção de C. albicans".

Esse fungo, esclarece a nota informativa, é o quarto microrganismo patogénico mais importante, causando inúmeras infeções e hospitalizações, em particular em indivíduos imunodeprimidos, sendo o tratamento das infeções disseminadas muito problemático."

Os investigadores da UA estão agora a analisar as novas características da biologia dos novos fungos de modo a compreender melhor como é que eles toleraram a alteração do código genético, como causam infeções e se tornam resistentes às drogas usadas na clínica.

Esperam também ser capazes de manipular o código genético doutros seres vivos de modo a produzirem microrganismos com "características interessantes" para a biotecnologia e biomedicina.

Os estudos do grupo de Aveiro foram financiados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e pelo projeto Europeu do sétimo programa quadro (FP7) Sybaris.

Cientistas descobriram fractura tectónica em formação ao largo da costa portuguesa

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 18/06/2013.
"Após os grandes terramotos de 1755 e 1969 em Portugal, já se suspeitava que algo estivesse a acontecer no fundo do Atlântico, próximo da Península Ibérica. Agora, cientistas portugueses, australianos e franceses afirmam ter descoberto os primeiros indícios desse fenómeno.
Um "embrião" de placa tectónica foi detectado a sudoeste de Portugal
A descoberta de uma zona de subducção nas suas primeiríssimas fases de formação, ao largo da costa de Portugal, acaba de ser anunciada por um grupo internacional de cientistas liderados por João Duarte, geólogo português a trabalhar na Universidade de Monash, na Austrália.
 
A confirmar-se que o fenómeno, em que uma placa tectónica da Terra mergulha debaixo de outra, está mesmo a começar a acontecer, como concluem estes cientistas num artigo publicado online pela revista Geology, isso significa que, daqui a uns 200 milhões de anos, o oceano Atlântico poderá vir a desaparecer e as massas continentais da Europa e América a juntar-se num novo supercontinente.
 
João Duarte e a sua equipa de Monash, juntamente com Filipe Rosas, Pedro Terrinha e António Ribeiro, da Universidade de Lisboa e do Instituto Português do Mar e da Atmosfera – e ainda Marc-André Gutcher, da Universidade de Brest (França) – detectaram os primeiros indícios de que a Margem Sudoeste Ibérica – uma margem “passiva” do Atlântico, isto é, onde aparentemente nada acontecia – está na realidade a tornar-se activa, explica em comunicado aquela universidade australiana. A formação da fractura foi detectada através do mapeamento pelos cientistas, ao longo de oito anos, do fundo do oceano nessa zona.
 
“Detectámos os primórdios da formação de uma margem activa – que é como uma zona de subducção embrionária”, diz João Duarte, citado no mesmo comunicado.
 
E o investigador salienta que a actividade sísmica significativa patente naquela zona, incluindo o terramoto de 1755 que devastou Lisboa, já fazia pensar que estivesse a produzir-se aí uma convergência tectónica.
 
A existência desta zona de subducção incipiente ao largo de Portugal poderá indiciar que a geografia dos actuais continentes irá evoluir, ao longo dos próximos 220 milhões de anos, com a Península Ibérica a ser empurrada em direcção aos Estados Unidos. Este tipo de fenómeno já terá acontecido três vezes ao longo de mais de quatro mil milhões de anos de história do nosso planeta, com o movimento das placas tectónicas a partir antigos supercontinentes (como o célebre Pangeia, que reunia todos os continentes actuais) e a abrir oceanos entre as várias massas continentais resultantes.
 
O processo de formação da nova zona de subducção deverá demorar cerca de 20 milhões de anos, fornecendo aos cientistas uma “oportunidade única” de observar o fenómeno de activação tectónica."

Investigadora portuguesa descobre como expandir número de células estaminais do sangue

Artigo da LUSA publicado pelo jornal Público em 19/06/2013
"Uma investigadora portuguesa descobriu uma forma de aumentar o número de células estaminais precursoras das células do sangue, o que poderá permitir transplantes directos destas células para doentes com leucemia e resolver o problema de falta de reservas nos bancos de sangue.
A possibilidade de expandir o número de células estaminais sanguíneas poderá resolver o problema crónico de falta de dadores nos bancos de sangue
A descoberta, feita por Sandra Pinho, a trabalhar no Albert Einstein College em Nova Iorque, será publicada no Journal of Experimental Medicine, no dia 1 de julho.
 
Sandra Pinho identificou em humanos uma população de células capaz de expandir o número de células estaminais hematopoiéticas (as células estaminais que dão origem a todas as células do sangue, desde plaquetas a glóbulos vermelhos ou brancos), revelou hoje a instituição em comunicado.
Esta descoberta é uma porta aberta para resolver situações em que é necessário transplantar directamente as células estaminais hematopoiéticas de forma a gerar de novo todo o sistema sanguíneo, como acontece nas leucemias ou anemias crónicas. Mas, além disso, esta possibilidade de expandir o número de células estaminais hematopoiéticas poderá resolver o problema crónico de falta de dadores nos bancos de sangue.
 
A medula óssea possui uma população de células estaminais hematopoiéticas, que é responsável por fabricar, durante toda a vida, as células sanguíneas necessárias para a sobrevivência. No entanto, este grupo de células é extremamente pequeno, o que limita o seu uso para transplantes e a sua utilização na produção de sangue para transfusões. A alternativa seria descobrir como multiplicar estas células em laboratório, o que até agora tem sido extremamente difícil.
 
Acontece que, em 2010, o laboratório de Sandra Pinho descobriu pela primeira vez, em ratinhos transgénicos, uma população de células estaminais mesenquimais (células capazes de se diferenciar em tecido ósseo, cartilagíneo ou adiposo) com a capacidade de regular o funcionamento das células estaminais hematopoiéticas, explica a instituição.
 
No entanto, esta descoberta comportava em si um problema: a proteína que identificava esta nova população (de células estaminais mesenquimais) estava localizada dentro das células. Deste modo, tornava-se impossível identificar e isolar as células, impedindo o seu uso em humanos, a menos que se descobrissem outras moléculas, localizadas à superfície da célula, com a mesma capacidade.
 
No estudo agora publicado, a equipa de Sandra Pinho identificou uma série de novos marcadores que definem a mesma população de células estaminais mesenquimais. Esta descoberta permitiu-lhes perceber que esta população de células também existe na medula óssea humana em contacto directo com as células estaminais do sangue e, tal como nos ratinhos, tem a capacidade de regular o funcionamento das células estaminais sanguíneas.
 
O mais promissor desta investigação foi descobrir que, quando a população de células estaminais do sangue humanas – expandida em laboratório através de contacto com as células estaminais mesenquimais –, é transplantada para ratinhos cujas células do sangue foram destruídas por radiação, ela expande-se e as células diferenciam-se. E os ratinhos passam a ter um sistema sanguíneo humano, provando que as células estaminais humanas assim obtidas são funcionais.
 
“Estes novos resultados", diz Sandra Pinho, "são um primeiro passo importante no estudo da regulação das células estaminais do sangue dentro da medula óssea". E sublinha que, "além disso, no futuro, esperamos conseguir em laboratório expandir o número de células estaminais do sangue em quantidades suficientes para ajudar doentes hematológicos que necessitam de transfusões ou transplantes da medula óssea”."

Cientista que quis ser médica ganha bolsa de 1,4 milhões

Texto de Alexandra Campos publicado pelo jornal Público em 15/06/2013.
"Desenvolver fármacos alternativos é o objectivo da investigadora da Universidade de Aveiro, que esteve quase a emigrar.
 
Desde criança que queria ser médica. Apesar de óptima aluna, não conseguiu, “por um triz”, entrar no curso de Medicina. Para não ficar um ano a subir a nota, Mara Freire optou por candidatar-se a Química Analítica na Universidade de Aveiro, onde se licenciou e acabou por se doutorar, em 2007.
Há males que vêm por bem. “Hoje sou muito mais feliz”, admite, radiante, a cientista de 33 anos, que acaba de ganhar uma bolsa de 1,4 milhões de euros do European Research Council – Conselho Europeu de Investigação, uma espécie de Prémio Nobel da investigação na Europa.
 
Um prémio que lhe vai permitir, ao longo de cinco anos, desenvolver “uma tecnologia sustentável de purificação de anticorpos”. O objectivo final é conseguir “desenvolver biofármacos baratos e mais eficazes do que alguns dos actuais antibióticos”, a partir de anticorpos retirados da gema de ovo.
 
Seleccionada entre mais de três mil candidatos, Mara, que nasceu em Oiã (Oliveira do Bairro), arrebatou o prémio na categoria Starting Grant do Conselho Europeu de Investigação, destinado a projectos de investigadores com menos de sete anos de actividade após o doutoramento.
 
A cientista, que trabalha no Centro de Investigação em Materiais Cerâmicos e Compósitos (laboratório associado da Universidade de Aveiro), explica que hoje é cada vez maior a preocupação com o aparecimento de micro-organismos resistentes aos antibióticos e que é grande o interesse no desenvolvimento de novos fármacos alternativos aos actuais. O problema é que o custo da produção de anticorpos é elevado – são necessárias práticas invasivas para os obter de pequenos mamíferos.
 
“Uma potencial alternativa baseia-se na imunoglobulina Y (IgY), um anticorpo produzido em grande quantidade e presente na gema de ovo”, explica. Só que o custo do Igy ainda é considerável, por não existir uma “técnica de purificação eficaz que separe a imunoglobulina de outras proteínas contaminantes”. É no desenvolvimento desta tecnologia que se vai empenhar Mara Freire e a sua equipa — que é hoje composta por sete alunos de doutoramento, mas que, graças ao prémio, será alargada para 12 elementos. A bolsa permitirá ainda adquirir equipamento.
 
Ganha a investigadora, ganha a Universidade de Aveiro (aonde Mara acabou de regressar, depois de ter passado pela Nova de Lisboa, enquanto estagiária de pós-doutoramento) e ganha o país. Porque Portugal esteve quase a perder a cientista, que no ano passado ponderou emigrar para os EUA. Foi convidada para o MIT – Massachusetts Institute of Technology – e considerou a hipótese de ir trabalhar para um laboratório no Alabama, mas preferiu ficar porque não quis abandonar a sua equipa e também por razões pessoais. “Foi uma escolha acertada”, acredita. Só lamenta que o país continue a deixar sair para o estrangeiro “tantos alunos brilhantes”."

Supremo Tribunal dos EUA decide que genes humanos não podem ser patenteados

Texto de Andrea Cunha Freitas publicado pelo jornal Público em 14/06/2013

 
Os genes humanos não podem ser patenteados porque são um produto da natureza. Esta conclusão pode parecer óbvia mas a verdade é que o debate sobre a possibilidade de patentear os genes humanos ocupou a comunidade científica durante vários anos. A discussão chegou mesmo à justiça nos EUA com uma acção que contestava a única patente deste género e que era detida pela célebre empresa Myriad para os testes genéticos para o risco de cancro hereditário da mama e do ovário. Nesta semana, o Supremo Tribunal dos EUA anunciou o veredicto unânime: os genes humanos não podem ser patenteados.
 
Os testes genéticos preditivos do risco de cancro da mama hereditário ou realizados com o objectivo de diagnosticar a doença são feitos há vários anos. Porém, nos EUA foi criada uma situação especial. Há cerca de dez anos, aproveitando o arranque e a falta de informação da área de testes genéticos, a empresa Myriad, do Utah, patenteou um painel de testes a mutações dos genes BRCA1 e BRCA2, associadas a um risco elevado de desenvolver o cancro da mama e do ovário. Foram as primeiras e únicas patentes do género. Mais nenhum teste genético foi aceite para patente mas, assim, a Myriad conseguiu o monopólio norte-americano da sequenciação destes genes e o seu uso em testes genéticos preditivos e de diagnóstico.
Apesar de as empresas norte americanas terem encontrado uma forma de contornar este obstáculo da patente - recorrendo a testes rápidos com o rótulo de “uso exclusivo para investigação” mas que acabam por ser usados pelos laboratórios - impunha-se conseguir a anulação desta patente que condicionava o acesso a um dos testes genéticos mais procurados (e por isso um dos mais apetecidos para as empresas da área).
O caso chegou à justiça com um apelo da Associação de Patologia Molecular - a representar os doentes, cientistas e prestadores de cuidados de saúde - ao Supremo Tribunal dos Estados Unidos para que avaliasse se os genes humanos podem ser patenteados ou se são produtos da natureza, não patenteáveis.
No centro da polémica estava, claro, a empresa Myriad e as suas sete patentes sobre o BRCA1 e o BRCA2. Pedia-se a anulação das patentes. Além de defenderem que os genes são produtos da natureza, invocava-se ainda as limitações de acesso de muitas mulheres a este teste que pode custar nos EUA cerca de 5 mil dólares. Em Portugal este teste genético é um dos mais procurados e pode rondar os mil euros.
O processo ganhou ainda mais fôlego e destaque com a decisão, anunciada recentemente, de Angelina Jolie que - após um teste que detectou mutações nestes genes - optou por fazer uma mastectomia profiláctica. Nesta quinta-feira, ao final do dia, os juizes anularam a polémica patente. “A Myriad não criou nada. Na verdade, encontrou um gene importante e útil, mas separar este gene do material genético que está à sua volta não é um acto de invenção”, escreveu o juíz Clarence Thomas, num documento para o tribunal, citado pelo NY Times. Apesar desta decisão, os juizes consideraram também que existe uma diferença entre o material de ADN que é um produto da natureza e o ADN sintético, criado em laboratório, sendo que concluíram que este último pode ser alvo de patentes.
Recentemente, o PÚBLICO noticiou o trabalho que envolveu uma equipa do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP) e que resultou na validação de um teste genético de cancro hereditário da mama para a empresa norte-americana Life Technologies. O produto entrou no mercado norte-americano com o rótulo de “uso exclusivo para investigação” em Abril deste ano. Foi mais um contributo para tentar derrubar o monopólio que a Myriad detém para este teste e que é responsável por cerca de 70% dos seus lucros.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Lince ibérico, o mais ameaçado dos felinos, fotografado em Milfontes

Texto de Marisa Soares publicado pelo jornal Público em 01/06/2013
Avistamento do animal, proveniente de Espanha, é considerado como um sinal "muito positivo".
Fotografia permitiu observar as manchas da pelagem, que é a impressão digital do lince-ibérico

 
Primeira fotografia tirada à noite a 8 de Maio

Um línce-ibérico (Lynx pardinus), uma espécie em sério risco de extinção, foi fotografado no domingo passado numa zona de caça associativa em Vila Nova de Milfontes, a mais de 250 quilómetros do local onde tinha sido avistado pela última vez. Chama-se Hongo, nasceu em Espanha mas está em Portugal.
 
Já tinha sido avistado uma primeira vez, a 8 de Maio. Segundo o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), nesse dia foram capturadas imagens deste lince-ibérico durante a noite, por uma máquina fotográfica activada por movimento, instalada num cevadouro para javalis. O passo seguinte foi montar uma estratégia para monitorizar o local e perceber de que animal se tratava.
 
Desde então, o terreno foi monitorizado e foram montadas novas câmaras, com o apoio da equipa espanhola da Junta de Andaluzia, que coordena o projecto de conservação LIFE Iberlince, e utilizando equipamento da Iberlinx, a plataforma portuguesa de conservação do lince-ibérico.
 
No domingo passado, 26 de Maio, o animal foi novamente fotografado mas desta vez em pleno dia, perto das 10h da manhã. A imagem mostra o padrão da pelagem que, nesta espécie, é como uma impressão digital. O lince é Hongo, um macho nascido em Aznalcázar, perto de Sevilha (Espanha) em 2011. Faz parte da população de linces do Parque Nacional de Doñana, no Sul de Espanha, onde tinha sido avistado pela última vez a 16 de Outubro de 2012.
 
Apesar de, à nascença, lhe ter sido colocado um colar emissor VHF, este já não está a funcionar, provavelmente por falta de pilha. "Não conseguimos saber o caminho que ele fez até Milfontes, já foi uma sorte termos uma fotografia diurna", diz Lurdes Carvalho, coordenadora nacional do Plano de Acção para a Conservação do Lince Ibérico em Portugal. A imagem mostra que Hongo "aparenta boa condição física" e o ICNF acredita que ele terá encontrado naquela zona condições para se manter.
 
"A zona do Cercal do Alentejo [próxima de Milfontes] é uma área histórica para o lince, temos várias referências da presença do lince na serra", esclarece. A principal fonte de alimento da espécie é o coelho-bravo, que existe com fartura naquela zona.
 
Primeiro avistamento em três anos
Não se via um lince em terreno português desde 2010, altura em que outro exemplar, Caribú, libertado em Doñana, se deslocou até à zona de Moura-Barrancos, mais junto à fronteira com a Extremadura espanhola. Esta é a principal zona de Portugal seleccionada para a reintrodução da espécie.
 
Com Caribú, a experiência foi diferente - e teve um final trágico. O animal foi avistado em Janeiro, passou três dias naquela região, e foi depois capturado, para substituição do emissor. Depois de ter sido libertado novamente em Doñana, regressou a Moura-Barrancos em Abril. "Conseguimos ver que percorreu uma média de sete a 20 quilómetros por noite", recorda Lurdes Carvalho. Porém, o animal acabou por ser encontrado morto em Setembro desse ano, em Doñana.
 
Agora, o avistamento de Hongo é um sinal "muito positivo", sublinha Lurdes Carvalho. "Significa que a matriz da paisagem se mantém e que eles encontram alimento".
 
O lince-ibérico é a espécie de felino mais ameaçada do mundo, classificada como criticamente em perigo de extinção na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza. Estima-se que existam hoje menos de 150 linces-ibéricos, uma espécie que só existe na Península Ibérica.
 
Em Portugal estão em curso vários projectos com vista à conservação da espécie. Visam, por um lado, a recuperação do habitat natural do lince e reintrodução dos animais que estão na base da sua alimentação, sobretudo o coelho-bravo. É o caso do projecto de Moura-Barrancos.
 
Por outro lado, está a fazer-se a conservação ex-situ, no Centro Nacional de Reprodução em Cativeiro para o Lince-Ibérico, na Herdade das Santinhas, em Silves. Neste centro, inaugurado em Maio de 2009, nasceram este ano 17 crias saudáveis que, juntamente com as outras 17 que sobreviveram na época passada, estão a ser preparadas para a libertação na natureza.

Novo material desenvolvido na Universidade de Minho ataca cancro

Artigo da LUSA publicado pelo jornal Público em 05/06/2013
Material microporoso com iões de zinco mata certas células cancerosas. Estudo pode abrir porta a novos materiais para o combate aos tumores.
O potencial deste método é poder testar um grande número de materiais microporosos com vários iões metálicos
Uma equipa internacional liderada por um investigador da Universidade do Minho criou um material microporoso com iões de zinco que suprime selectivamente certos tipos de cancro, sem efeitos negativos para as células saudáveis, anunciou nesta quarta-feira a universidade.
 
A pesquisa “abre um novo campo na luta contra o cancro”, lê-se num comunicado da Universidade do Minho. O artigo sobre a descoberta foi publicado na revista RSC Advances.
 
“Na presença de quantidades muito pequenas do novo material, conseguimos a supressão selectiva até 95% de um tipo de célula humana cancerígena ou ‘imortal’ e de uma célula que leva à cirrose em humanos”, explicou o líder daquela equipa, Stanislav Ferdov.
 
O trabalho mostra como uma combinação de materiais porosos e iões de metal pode ser usada para a preparação de novos medicamentos na luta contra o cancro. “Aprofundando esta investigação, esperamos aumentar os genótipos de cancro que possam ser inibidos selectivamente e com eficácia”, sublinhou o investigador do Centro de Física da Universidade do Minho.
 
O investigador defende ainda que o potencial deste método é poder testar in vivo e in vitro um grande número de materiais microporosos com vários iões metálicos. “Para os materiais desta classe, este pode ser um avanço sem precedentes”, afirmou.
 
Além da Universidade do Minho, estiveram também envolvidos neste trabalho investigadores da Academia Búlgara de Ciências, do Centro Nacional de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Bulgária e da Universidade de Aveiro.

ALMA observa fábrica de cometas e dá pistas de como nascem os planetas

Texto de Nicolau Ferreira publicado pelo jornal Público em 07/06/2013
Radiotelescópio europeu mostrou região à volta de uma estrela onde o pó pode agregar-se para dar objectos maiores. Descoberta publicada na Science.
À volta de uma nova estrela o pó têm de agregar-se para formar planetas, mas não havia explicação

O radiotelescópio ALMA inaugurado neste ano, que está no Chile, no deserto do Atacama, já produziu resultados antes de estar a funcionar a 100%. Uma equipa de cientistas utilizou o aparelho e conseguiu detectar no disco à volta de uma estrela uma região onde é possível o pó e os gases agregarem-se para formarem cometas. É uma espécie de fábrica, dizem. A descoberta é publicada hoje na revista Science e dá pistas para um dos mistérios do espaço: como se formam os planetas.
 
O Sistema Solar com os seus oito planetas não é um caso excepcional, nos últimos anos confirmou-se que outros planetas abundam no Universo. O resultado final varia de sistema estelar para sistema estelar, há por exemplo estrelas com grandes júpiteres incandescentes a girar muito perto do seu Sol, em vez de um planeta rochoso como Mercúrio. Mas não se percebe muito bem como é que no início de vida de uma estrela os planetas conseguem emergir. O que se sabe é que à volta de um sol recém-nascido haverá um disco de poeira e esta poeira terá de se agregar formando corpos com massas cada vez maiores que finalmente resultam nos planetas.
 
Os modelos que os cientistas foram testando no passado revelaram dois problemas. É fácil duas partículas chocarem e unirem-se, mas objectos maiores ao chocarem irão partir-se em pedaços mais pequenos. Por outro lado, à medida que as partículas vão sendo maiores, os modelos mostram que há uma tendência para elas viajarem em direcção ao Sol devido à gravidade.
 
Se estes fenómenos realmente acontecessem na natureza como aparecem nos modelos, então não estaríamos aqui. Por isso, os cientistas tentaram observar estrelas em início de carreira para tentar encontrar uma explicação.
 
Um céu seguro
Uma das hipóteses que já se tinha proposto era existirem de regiões seguras no disco estelar onde o pó podia calmamente agregar-se. Foi algo parecido com isto que Nienke van der Mare, doutorando do Observatório de Leiden, na Holanda, ajudou a identificar. O investigador e outros colegas trabalharam com o ALMA para estudar o disco da estrela Oph IRS 48, que tem 15 milhões de anos e situa-se a 391 anos-luz.
 
A equipa encontrou uma região no disco estelar onde as partículas de gás maiores parecem estar presas. Esta região com a forma de “castanha de caju”, segundo Nienke van der Mare, terá sido provavelmente criada por um grande planeta ou pequena estrela que, ao passar, deixa atrás de si uma espécie de vórtice onde estas partículas ficam bloquedas e podem agregar-se fazendo crescer corpos maiores.
 
“É provável que estejamos a olhar para uma fábrica de cometas já que as condições são boas para que as partículas cresçam até objectos do tamanho de cometas. Não é provável que o pó cresça até formar planetas já que esta bolsa está muito longe da estrela”, explica o investigador. “Mas dentro de pouco tempo o ALMA será capaz de observar estas armadilhas de poeira mais perto da estrela, onde os mesmos mecanismos estão a acontecer. Essas armadilhas seriam mesmo os ninhos de planetas acabados de se formar.”
 
Mas num comentário da Science ao artigo, Philip J. Armitage, da Universidade do Colorado, indaga se será mesmo assim. Esta bolsa de poeira observada pelo ALMA nasceu devido à existência prévia de um corpo maior. Se esta for a única maneira de haver uma porção de céu seguro, como se terá formado o primeiro planeta? Ficamos à espera das respostas..

Descoberto na China o mais antigo esqueleto de sempre de um primata

Texto de Ana Greschenfeld publicado pelo jornal Público em 06/06/2013
Estão em causa ideias feitas acerca da evolução dos antropóides e em particular da espécie humana.
Reconstituição 3D do fóssil de Archicebus achilles; à direita, visão artística deste antiquíssimo primata
Há 55 milhões de anos, o clima na Terra era quente e húmido. No centro do que é hoje a China, perto do actual rio Yangtze, a vegetação luxuriante de uma paisagem lacustre albergava primitivos primatas. Com apenas sete centímetros de altura e 30 gramas de peso, estes animaizinhos diurnos eram parecidos com os saguis (macacos hoje comuns no Brasil). Possuíam uma longa cauda, eram exímios em saltar de copa de árvore em copa de árvore e tinham uma predilecção alimentar pelos insectos, que trincavam com os seus dentes pequenos e afiados.
 
Trata-se de uma recém-descoberta espécie fóssil, baptizada Archicebus achilles (explicação do nome mais à frente), e é, segundo afirma hoje na revista Nature uma equipa internacional de cientistas, o mais antigo antepassado conhecido dos antropóides - macacos, grandes símios e humanos actuais. E também o mais antigo primata conhecido, incluindo os primatas, para além dos antropóides, os társios (cujos representantes actuais vivem na Ásia), os lémures e os galagos (que vivem em África). "É a primeira vez que temos uma visão razoavelmente completa de um primata que, na árvore da evolução, se situa mais ou menos na divergência dos társios e dos antropóides", diz em comunicado Xijun Ni, paleontólogo da Academia Chinesa de Ciências de Pequim e co-autor da descoberta. "Isso representa um grande avanço no esforço de mapear as primeiras fases da evolução dos primatas e dos humanos."
 
O fóssil foi encontrado há vários anos por um agricultor, numa pedreira perto da cidade de Jingzhou, província de Ubei, China, acabando por ser doado à instituição onde trabalha Ni. Como estava encapsulado numa pedra, só ficou à vista quando esta foi partida ao meio, revelando duas "metades", muito frágeis e delicadas, de ossos e de impressões "em negativo" de ossos deixadas na matriz rochosa.
 
Para o estudar sem o danificar, os cientistas recorreram a técnicas de imagiologia. A partir de 2008, começaram a produzir imagens "às fatias", de altíssima resolução, das duas "metades" do fóssil graças ao feixe de raios X mais potente do mundo, sito no Sincrotrão Europeu (ESRF), perto de Grenoble (França). Reunindo as imagens, obtiveram uma visão 3D extremamente pormenorizada do esqueleto original. "Virtualmente falando, pusemos o esqueleto de pé", diz o co-autor Paul Tafforeau, paleontologista do ESRF. Também determinaram a posição do Archicebus achilles na árvore evolutiva, de forma a relacioná-lo com os outros primatas. Para isso, compararam, em paralelo, mais de mil caracteres anatómicos de 157 mamíferos.
 
E o que descobriram foi um animal "diferente de qualquer outro primata conhecido, vivo ou fóssil", diz o co-autor Chris Beard, do Museu Carnegie de História Natural de Pittsburgh (EUA). "É um estranho híbrido, cujos pés parecem os de um pequeno macaco, com os braços, patas e dentes de um primata muito arcaico, com um crânio primitivo e uns olhos curiosamente pequenos." É precisamente esta estranha mistura que os cientistas interpretam como sendo um indício de que o Archicebus achilles representa um elo entre o ramo dos társios e o dos antropóides. Donde o nome que deram ao fóssil, cuja primeira parte significa "primeiro macaco de cauda comprida", enquanto a segunda faz referência ao calcanhar curiosamente "moderno" da espécie.
 
"Isto vai forçar-nos a rescrever a história dos antropóides", salienta Beard. De facto, explica, a descoberta põe em causa noções enraizadas sobre a evolução dos primatas. Por exemplo, ao sugerir (corroborando outros dados) que os primeiros primatas apareceram na Ásia - e não em África, como se pensava; ou ainda, ao ir contra a ideia de que os nossos antepassados mais longínquos eram grandes animais.
 
"O Archicebus achilles era um diminuto e delicado primata, talvez mais pequeno do que qualquer primata actual", disse Beard em teleconferência de imprensa organizada pela Nature. "Era provavelmente um animal frenético, ansioso, ágil. E o mundo que habitava era uma espécie de "planeta dos macacos" antes de haver macacos."

Tratamento contra a esclerose múltipla teve sucesso na primeira fase de ensaios clínicos

Artigo publicado pelo jornal Público em 06/06/2013
Um novo método que tornou o sistema imunitário tolerante às fibras de mielina teve sucesso nos ensaios clínicos. Investigação vai continuar.
Na esclerose múltipla, o sistema imunitário ataca as células nervosas 
Um tratamento novo contra a esclerose múltipla que alterou o sistema imunitário dos doentes teve sucesso numa primeira fase de ensaios clínicos que abarcou nove pessoas, mostra um estudo publicado na quarta-feira na revista Science Translacional Medicine.
 
A esclerose múltipla é uma doença auto-imune relacionada com o sistema nervoso. O sistema imunitário destes doentes ataca a camada que impermeabiliza as células nervosas, os neurónios. É esta camada feita de mielina que permite à informação viajar a uma velocidade enorme ao longo do sistema nervoso. Só assim conseguimos mexer os dedos quase no mesmo momento em que pensamos fazê-lo.
 
Na esclerose múltipla, esta camada de mielina vai sendo degradada. Ao longo dos anos as pessoas acabam por perder a capacidade de caminhar e de se moverem. A esperança média de vida é cinco a dez anos mais baixa do que no resto da população.
 
Uma equipa internacional com investigadores da Alemanha, Estados Unidos, Áustria alteraram o próprio sistema imunitário para diminuir o ataque às camadas de mielina. Para isso, retiraram células do sistema imunitário dos pacientes, depois ligaram estas células a fragmentos de mielina e voltaram a injectar estas células com milhões de fragmentos de mielina nos pacientes. O objectivo deste método é obrigar o sistema imunitário a reconhecer estes fragmentos e torná-lo tolerante à mielina.
 
“A terapia pára as respostas auto-imunes que já estão em curso e previne a activação de novas células auto-imunes”, diz Stephen Miller, investigador sénior da Escola de Medicina Feinberg da Universidade de Northwestern, em Chicago, nos Estados Unidos. “O nosso método deixa a função do sistema imunitário intacto. É o Santo Graal”, explica o cientista, num comunicado de imprensa.
 
Esta primeira fase de testes foi, principalmente, para procurar efeitos secundários nos pacientes que receberam o tratamento. Os resultados foram positivos; por um lado, não houve problemas significativos associados ao tratamento, por outro lado, os pacientes melhoraram em relação à doença. Agora o tratamento vai passar para a segunda fase dos testes clínicos, para verificar se este método previne de facto a progressão da esclerose múltipla em humanos.
 
“Na fase dois queremos tratar doentes que estão nos estados mais precoces da doença, antes de estarem paralisados devido aos danos na mielina”, explica Stephen Miller. “Quando a mielina é destruída, é difícil ser reparada.”

Bebés “treinam” o choro dentro da barriga das mães

Texto de Andrea Cunha Freitas publicado pelo jornal Público em 06/06/2013
Equipa de cientistas analisou ecografias de fetos que mostraram expressões de desconforto que podem apenas servir para desenvolver o cérebro.
Imagens captadas com ecografias a quatro dimensões de um feto de 32 semanas com uma expressão de desconforto 
Decididamente, a equipa da Universidade de Durham (Inglaterra), liderada por Nadja Reissland, anda a “espiar” os bebés que estão ainda nas barrigas das mães. Em Novembro do ano passado, mostraram que os fetos eram capazes de bocejar várias vezes, não por sono ou aborrecimento, mas usando esta forma de expressão para desenvolver o cérebro. Agora, num trabalho com a Universidade de Lancaster publicado na revista PLOS One, viram também que os bebés treinam as expressões faciais da sua poderosa arma de chamamento – o choro – quando ainda estão no útero da mãe.
 
Nadja Reissland revela que os bebés são capazes de mostrar uma expressão semelhante a um sorriso, mas também um franzir de sobrancelhas e um enrugar do nariz próprio de um desconforto que vai desatar num choro. Não se sabe ainda se de facto os fetos estão a expressar algo que estão a sentir – um bem-estar ou um desconforto – ou se, de facto, se trata de um treino para comunicar cá fora, quando e se necessário. De acordo com Nadja Reissland, em declarações à BBC, a pesquisa parece indicar que estes movimentos faciais estarão associados ao desenvolvimento e maturação do cérebro (tal como acontecia com os bocejos) e não serão uma consequência de algo que estão a sentir. Ou seja, a observação desta manifestação pode vir a ser usada como mais um indicador da saúde do feto.
 
O estudo envolveu ecografias a 4D realizadas a oito fetos do sexo feminino e nove do sexo masculino. As expressões mais simples foram detectadas às 24 semanas de gravidez, com um movimento dos lábios que indica um esboçar de um sorriso. As mais complexas expressões de desconforto – uma testa e um nariz franzido – foram vistas pelas 36 semanas de gravidez. Um treino, dizem uns cientistas, para o choro ou “choraminguice” que se vai ouvir cá fora quando nascem e querem pedir alguma coisa.
 
É mais um passo do projecto que tem mostrado como as expressões faciais dos bebés se desenvolvem e tornam mais complexas durante a gravidez. “É vital que os bebés consigam mostrar que sentem dor o mais cedo possível após o nascimento para conseguirem comunicar o desconforto os seus cuidadores e os nossos resultados mostram que os fetos saudáveis 'aprendem' a combinar os movimentos faciais necessários para isso antes de nascerem”, constata Nadja Reissland.
 
Segundo adianta no comunicado da instituição, o estudo mostra que através da análise destas expressões será possível detectar o normal desenvolvimento e potencialmente identificar algum problema, caso não sejam manifestadas. O estudo deverá prosseguir e procurar perceber se estas expressões e movimentos são de alguma afectadas (atrasadas?) quando os bebés no útero são expostos, por exemplo, ao fumo e/ou ao álcool consumido pelas mães.

Ei, Jim Morrison, há um lagarto-rei com o teu nome

Texto de Nicolau Ferreira publicado pelo jornal Público em 05/06/2013
Fóssil encontrado há décadas foi agora identificado como espécie nova de lagarto gigante que viveu há quase 40 milhões de anos, numa altura em que a Terra era bem mais quente.
Representação do lagarto-rei
O vocalista dos The Doors, Jim Morrison, acaba de ficar imortalizado na história paleontológica do nosso planeta. Um fóssil de um lagarto gigante que viveu há quase 40 milhões de anos foi agora identificado e baptizado com o nome do icónico cantor, que morreu em 1971. A vida deste réptil, ou que se conhece dela, vem descrita nesta semana num artigo da revista Proceedings of the Royal Society B.
 
“Sou o Rei Lagarto. Posso fazer o que quiser”, escreveu o vocalista dos The Doors na letra da canção Not to touch the earth, que faz parte de um poema maior que Morrison intitulou A celebração do lagarto. Mais de 40 anos depois da morte do cantor, em 1971, um lagarto ganhou o seu nome: Barbaturex morrisoni.
 
A espécie já não existe, foi descoberta pelo fóssil encontrado no distrito de Sagaing, no centro da Birmânica, num estrato geológico com cerca de 37,2 milhões de anos. Quando este estrato se formou, a Terra era dois a cinco graus mais quente do que hoje, o suficiente para não haver gelo nos pólos.
 
O Barbaturex morrisoni ficou com o nome comum de lagarto-rei graças aos seus 1,8 metros e 30 quilos. É um tamanho surpreendente para um lagarto herbívoro. “Hoje, os répteis e os mamíferos coexistem na maior parte dos locais da Terra. O que é interessante no lagarto-rei é que era um grande herbívoro a viver e a competir com outros mamíferos herbívoros”, explica Russel Ciochon à BBC News, um dos autores do artigo que pertence à Universidade de Iowa, nos Estados Unidos.
 
Já se encontraram fósseis de grandes lagartos e hoje o dragão de Komodo continua a viver em algumas ilhas da Indonésia. Russel Ciochon explica que estas espécies são carnívoras, em vez de competirem com os mamíferos herbívoros, alimentam-se deles. Por isso, o lagarto-rei é tão especial. “O seu grande tamanho protegia-o de muitos caçadores. Mas não há dúvida que seria caçado pelos mamíferos predadores da altura”, defende o cientista.
 
O cientista e outros colegas encontraram o fóssil na Birmânia durante a década de 1970. Mas os ossos não foram estudados na altura e o fóssil ficou esquecido durante décadas no Museu de Paleontologia da Universidade da Califórnia. Há uns anos, Jason Head, do Museu Estadual de História Natural do Nebrasca, da Universidade Nebrasca-Lincoln, e Patricia Holroyd, do Museu de Paleontologia da Universidade da Califórnia, voltaram a olhar para ele.
 
Ao estudar as mandíbulas e os dentes fossilizados, Jason Head compreendeu que estava diante de um réptil pertencente a um grupo de herbívoros que hoje são muito mais pequenos, como os dragões-barbudos e camaleões. “Quando comecei a estudar os seus parentes modernos reparei o quão grande este lagarto era”, disse Jason Head num comunicado de imprensa da Universidade Nebrasca-Lincoln. Tal como nos dragões-barbudos, os ossos deste fóssil mostravam que tinha sulcos na mandibula, que dariam suporte ao tecido mole, produzindo pregas de pele na zona do queixo que se parecem com barba.
 
O tamanho e o aspecto físico explicam parte do nome científico da espécie. Barbaturex significa um rei com barba. Já morrisoni é uma referência directa ao nome do vocalista dos The Doors. “Andava a ouvir bastante The Doors durante esta investigação”, disse Jason Head. “Parte do seu imaginário musical incluía répteis e locais antigos e, claro, o Jim Morrison era o ‘Rei Lagarto’, por isso tudo se encaixou.”
 
Qual será então a razão para aparecer um lagarto herbívoro tão grande naquela altura? “Pensamos que o clima quente durante aquele período permitiu a evolução de um corpo muito grande e a capacidade de estes lagartos competirem com sucesso com os mamíferos herbívoros”, explicou o investigador.
 
Esta descoberta pode ajudar a compreender os ecossistemas actuais. “Nunca teríamos conhecimento disto olhando para os lagartos de hoje. Ao olharmos para o registo fóssil passado, podemos encontrar informação única sobre a origem dos ecossistemas modernos”, acrescentou.
 
Mas voltar a haver lagartos com este tamanho não parece provável mesmo com as alterações climáticas. “Estamos a transformar tão rapidamente a atmosfera que as alterações climáticas são provavelmente demasiado rápidas para que os sistemas biológicos se adaptem. Por isso, em vez de vermos o aparecimento e expansão de répteis gigantes, o que poderemos ver é a extinção das espécies de hoje”, refere Jason Head.
 

Redescoberta espécie de rã que se pensava extinta há quase 60 anos

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 04/06/2013
"Foi a primeira espécie de anfíbio a ser declarada extinta pela União Internacional para a Conservação da Natureza. Mas, afinal, ainda lá está.
A rã-pintada-da-Palestina passou agora a chamar-se Latonia nigriventer
Não é todos os dias que uma espécie animal que se pensava perdida para sempre reaparece. Mas foi isso que aconteceu com a rã-pintada-da-Palestina, cuja redescoberta foi anunciada oficialmente esta terça-feira por uma equipa de cientistas israelitas, alemães e franceses na edição online da revista Nature Communications.
 
Esta pequena rã, de abdómen preto às pintinhas brancas, foi inicialmente descoberta no vale do lago Hula, em Israel, no início da década de 1940. E como foi avistada pela última vez em 1955, durante a drenagem dos pântanos em torno daquele lago, a União Internacional para a Conservação da Natureza acabou por declarar a espécie extinta em 1996, explicam no seu artigo Rebecca Biton, da Universidade Hebraica de Jerusalém, e colegas.
 
Porém, em Outubro de 2011, durante uma vistoria de rotina na Reserva Natural de Hula, foi descoberto um macho. “Desde então, registámos mais 10 espécimes”, escrevem os cientistas.
 
Para eles, o facto desta rã ter conseguido sobreviver à degradação do seu habitat ao longo dos últimos cem anos é “um notável exemplo da resiliência dos anfíbios”. E, a este propósito, recordam não só que 156 espécies de anfíbios não têm sido vistas nas últimas décadas, como também que 34 dessas espécies já são consideradas extintas desde 2004.
 
Mas a equipa de Rebecca Biton descobriu ainda que a capacidade de sobrevivência da rã-pintada-da-Palestina é mais espectacular do que se poderia imaginar. É que até aqui, considerava-se que esta rã pertencia à espécie Discoglossus nigriventer. Mas agora, a partir da análise genética das rãs recentemente encontradas e da sua comparação morfológica com fósseis de Discoglossus descobertos nos anos 1960, no vale do rio Jordão, os cientistas concluem ser preciso reclassificar este anfíbio.

Mais precisamente, a rã "ressuscitada" não pertence ao género Discoglossus, mas é, na realidade, o único sobrevivente de um género de rãs muitíssimo mais antigo, chamado Latonia, que habitava a Europa há pelo menos um milhão de anos. E cuja extinção, explica a Nature, se pensava ter sido devido às glaciações continentais. Um autêntico “fóssil vivo”."